6 de abr. de 2015



 Faltando apenas 1 mês para o lançamento do mais novo livro da série A Seleção, a Editora Seguinte resolveu nos dar um presentinho de páscoa para nós leitores e divulgou o primeiro capítulo do tão esperado livro.

Vinte anos atrás, America Singer participou da Seleção e conquistou o coração do príncipe Maxon. Agora chegou a vez da princesa Eadlyn, a filha mais velha do casal. Criada para ser uma uma líder forte e independente, ela nunca quis viver um conto de fadas como o de seus pais. Por isso, antes de conhecer os trinta e cinco pretendentes que irão disputar sua mão numa nova Seleção, a jovem está totalmente descrente. Mas, assim que a competição começa, a situação muda de figura. E Eadlyn percebe
que encontrar seu príncipe encantado talvez não seja tão impossível quanto imaginava.

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CAPÍTULO 1
Nunca consegui prender a respiração por sete minutos. Nem sequer por um. Uma vez tentei correr um quilômetro e meio em sete minutos depois de descobrir que alguns atletas faziam isso em quatro, mas fracassei espetacularmente quando pontadas na lateral do abdome me deixaram exausta no meio do percurso.
Contudo, há uma coisa que consegui fazer em sete minutos que a maioria das pessoas consideraria bem impressionante: me tornar rainha.
Por ínfimos sete minutos cheguei ao mundo antes do meu irmão, Ahren, e o trono que deveria ser dele passou a ser meu. Se eu tivesse nascido uma geração antes, esse detalhe não teria feito diferença. Ahren era homem; Ahren seria o herdeiro.
Ora, minha mãe e meu pai não suportariam ver sua primogênita perder o título por causa de um inoportuno, ainda que agradável, par de peitos. Então eles mudaram a lei, e o povo se alegrou, e fui preparada dia após dia para me tornar a próxima governante de Illéa.
O que eles não entendiam era que aquelas tentativas de tornar minha vida justa pareciam bem injustas para mim.
Eu tentava não reclamar. Afinal, tinha consciência de que era muito sortuda. Mas havia dias, às vezes meses, em que eu sentia um enorme peso nas costas. Peso demais para qualquer pessoa suportar sozinha, na verdade.
Folheei o jornal e vi que outra rebelião havia ocorrido, dessa vez em Zuni. Vinte anos atrás, o primeiro ato de meu pai como rei foi dissolver as castas, e o velho sistema se desfez aos poucos, ao longo da minha vida. Eu ainda achava totalmente bizarro que no passado as pessoas vivessem marcadas por esses rótulos restritivos e arbitrários. Minha mãe era Cinco, meu pai, Um. Não fazia sentido, até porque não havia nenhum sinal externo dessas divisões. Como eu ia saber se estava ao lado de um Seis ou de um Três? Aliás, por que isso importava?
Logo que o fim das castas foi decretado, houve comemorações por todo o país. Meu pai esperava que as mudanças já estivessem bem consolidadas depois de uma geração. Ou seja: a essa altura, as coisas deveriam se acertar de vez.
Não era o que estava acontecendo, e essa nova rebelião era a mais recente de uma série de revoltas.
— Café, Alteza? — perguntou Neena ao deixar a bebida sobre a minha mesa.
— Obrigada. Pode levar os pratos.
Corri os olhos pelo artigo. Dessa vez, incendiaram um restaurante porque o proprietário não queria promover um garçom a chef de cozinha. O garçom alegava que a promoção havia sido prometida mas nunca efetivada, e tinha certeza de que era por causa do passado de sua família.
Vendo os restos carbonizados do prédio, eu sinceramente não sabia de que lado ficar. O proprietário tinha o direito de promover ou demitir quem quisesse, e o garçom tinha o direito de não ser marcado com um rótulo que, teoricamente, já não existia.
Deixei o jornal de lado e peguei minha bebida. Meu pai ia ficar irritado. Eu tinha certeza de que ele já devia ter pensado e repensado mil estratégias para tentar amenizar a situação. Mas, mesmo que conseguíssemos resolver alguns problemas, éramos incapazes de evitar cada um dos casos de discriminação pós-castas. Eram numerosos, muito frequentes e difíceis de monitorar.
Pus o café na mesa e fui em direção ao closet. Já estava na hora de começar o dia.
— Neena? — chamei. — Você sabe onde está o vestido cor de ameixa? Aquele com a faixa?
Ela apertou os olhos, concentrada, e veio ajudar.
Neena era relativamente nova no palácio. Começara a trabalhar comigo seis meses antes, quando a criada anterior ficou duas semanas de cama. Neena era tão atenta às minhas necessidades e tão boa companhia que a mantive. Também gostava muito de seu olho para moda.
Neena arregalou os olhos diante daquele espaço imenso.
— Talvez devêssemos reorganizar isso aqui.
— Pode reorganizar, se tiver tempo. Mas não é um projeto que me interessa.
— Não quando posso procurar as roupas para a senhorita, não é? — ela provocou.
— Exatamente!
Ela levou na brincadeira e, rindo, começou a vasculhar entre vestidos e calças.
— Gostei do seu cabelo hoje — comentei.
— Obrigada.
Todas as criadas usavam touca, mas mesmo assim Neena era muito criativa com seus penteados. De vez em quando, cachos grossos e escuros emolduravam seu rosto; outras vezes, enrolava as mechas num coque. Naquele dia, tranças largas rodeavam sua cabeça enquanto o resto do cabelo estava coberto. Eu gostava muito de ver que ela inventava maneiras diferentes de usar o uniforme, personalizando-o todos os dias.
— Ah! Está aqui atrás! — exclamou Neena, puxando o vestido longuete e estirando-o sobre a pele escura de seu braço.
— Perfeito! E você sabe onde está meu blazer cinza? Aquele de mangas três quartos?
Ela me olhou impassível.
— Com certeza vou reorganizar isso aqui.
— Você procura, eu me visto — falei, rindo.
Pus a roupa e penteei o cabelo, me preparando para mais um dia como o futuro rosto da monarquia. A combinação era feminina o bastante para conferir um ar de suavidade, mas também forte o bastante para que eu fosse levada a sério. Era um bom estilo a seguir, e eu o seguia diariamente.
Olhei para o espelho e disse para meu reflexo:
— Você é Eadlyn Schreave. Será a próxima pessoa a governar este país e a primeira garota a fazer isso sozinha. Nenhuma pessoa — prossegui — é tão poderosa quanto você.


Meu pai já estava no escritório com a testa franzida enquanto lia as notícias. Exceto pelos olhos, eu não era muito parecida com ele. Aliás, nem com a minha mãe.
Com o cabelo escuro, o rosto oval e a pele com um leve bronzeado que durava o ano todo, eu parecia mais com a minha avó do que com qualquer outra pessoa. No corredor do quarto andar havia uma pintura dela no dia de sua coroação. Eu costumava analisá-la quando era mais nova para tentar adivinhar como seria quando crescesse. A idade dela no retrato era próxima da minha agora e, embora não fôssemos idênticas, às vezes eu tinha a sensação de ser seu reflexo.
Cruzei a sala e beijei meu pai na bochecha.
— Bom dia.
— Bom dia. Você viu os jornais? — ele perguntou.
— Sim. Pelo menos ninguém morreu desta vez.
— Graças aos céus.
As piores revoltas eram as que resultavam em mortes ou desaparecimentos. Era terrível descobrir que rapazes foram espancados só porque se mudaram com a família para um bairro melhor, ou que mulheres foram atacadas por tentar conseguir um emprego que, no passado, era proibido para elas.
Às vezes, o motivo e as pessoas por trás desses crimes eram descobertos rapidamente, mas quase sempre havia muitas trocas de acusação e nenhuma resolução definitiva. Eu ficava exausta só de ouvir e sabia que era ainda pior para meu pai.
— Não entendo — ele disse ao tirar os óculos de leitura e esfregar os olhos. — Eles não queriam mais as castas. Nós fomos com calma, eliminamos as divisões devagar para todos conseguirem se adaptar. E agora eles queimam prédios.
— Há algum jeito de regulamentar isso? Podemos criar uma comissão para supervisionar as reclamações.
Voltei a observar a foto no jornal. No canto da imagem, o jovem filho do dono do restaurante chorava a perda de tudo. Sinceramente, eu sabia que as reclamações chegariam tão rápido que ninguém seria capaz de atendê-las, mas também sabia que meu pai não suportaria ficar de braços cruzados.
— É isso que você faria? — ele perguntou, olhando para mim.
— Não — respondi com um sorriso. — Eu perguntaria ao meu pai o que ele faria.
Ele suspirou.
— Nem sempre você terá essa opção, Eadlyn. Você precisa ser forte, decidida. Como você resolveria este incidente em particular?
Pensei um pouco antes de responder.
— Não acho que seja possível resolver essa situação. Não há meio de provar que foram as velhas castas que impediram a promoção do garçom. A única coisa que podemos fazer é abrir uma investigação para descobrir quem iniciou o incêndio. Uma família perdeu seu sustento hoje, e alguém deve ser responsabilizado. Não é com incêndios que se faz justiça.
Ele balançou a cabeça e pousou os olhos no jornal novamente.
— Acho que você está certa. Gostaria de poder ajudá-los. Mas, acima de tudo, precisamos pensar em como evitar que aconteça novamente. A situação já saiu do controle, Eadlyn, e isso é assustador.
Meu pai atirou o jornal no lixo e levantou, caminhando até a janela. Por sua postura, dava para perceber que estava tenso. Às vezes, sua função lhe trazia muita alegria, como quando visitava escolas cujas condições trabalhara sem descanso para melhorar ou quando via o florescimento de comunidades naquele tempo livre de guerras que havia inaugurado. Mas essas ocasiões se tornavam cada vez mais raras e escassas. Ele passava a maioria dos dias angustiado com a situação do país, fingindo sorrisos para os jornalistas, na esperança de que sua postura calma contagiasse a todos. Minha mãe o ajudava a carregar o fardo, mas no fim das contas o destino do país recaía única e exclusivamente nas suas costas. Um dia, estaria nas minhas.
Consciente de que se tratava de uma questão totalmente fútil, eu me preocupava com a possibilidade de ficar grisalha antes da hora.
— Faça uma anotação para mim, Eadlyn. Lembre-me de escrever ao governador de Zuni, Harpen. Ah, e escreva que a carta é para Joshua Harpen, não para o pai dele. Sempre esqueço que foi ele quem concorreu nas últimas eleições.
Anotei as instruções com minha elegante letra cursiva, pensando em como meu pai ficaria satisfeito ao vê-la mais tarde. Ele costumava pegar muito no meu pé por causa da minha caligrafia.
Sorrindo comigo mesma, me voltei para meu pai, mas logo desanimei ao vê-lo coçar a cabeça, tentando desesperadamente encontrar uma solução para aqueles problemas.
— Pai?
Ele se virou para mim e, por instinto, endireitou os ombros, como se precisasse assumir uma postura forte mesmo diante de mim.
— Por que você acha que isso está acontecendo? Não foi sempre assim.
Ele arqueou as sobrancelhas e começou a responder:
— Com certeza não — disse, quase para si mesmo. — No começo, todos pareciam contentes. Cada vez que removíamos uma casta, as pessoas festejavam. Apenas nos últimos anos, depois que todos os rótulos foram oficialmente apagados, as coisas saíram do controle.
Ele voltou a olhar pela janela antes de prosseguir:
— Só consigo pensar em uma coisa: quem cresceu com as castas tem consciência de que o que temos agora é melhor. Em comparação, é mais fácil casar ou trabalhar. A renda de uma família não provém de apenas uma profissão. Há mais opções quando se trata de educação. Mas aqueles que estão crescendo sem as castas e ainda enfrentam obstáculos… Acho que não sabem o que mais podem fazer.
Meu pai então olhou para mim e deu de ombros.
— Preciso de um tempo — murmurou. — Preciso dar um jeito de pausar os acontecimentos, resolver essa situação e então dar sequência ao governo.
Notei um sulco profundo em sua testa.
— Pai, não acho que isso seja possível.
Ele achou graça.
— Já fizemos isso antes. Eu lembro…
O foco de seu olhar mudou. Ele me observou por um momento. Parecia me fazer uma pergunta sem palavras.
— Pai?
— Sim?
— Você está bem?
Ele piscou algumas vezes antes de falar:
— Sim, querida, muito bem. Por que você não vai trabalhar naqueles cortes orçamentários? Podemos repassar suas ideias hoje à tarde. Preciso conversar com sua mãe.
— Claro.
Talento para matemática não era algo natural para mim. Por isso, eu levava o dobro do tempo para fazer cortes no orçamento e planejamentos financeiros. Mas também recusava veementemente que um dos conselheiros de meu pai ficasse atrás de mim com uma calculadora, tentando consertar minha bagunça. Ainda que precisasse passar a noite em claro, sempre garantia que meu trabalho estivesse correto.
Claro, Ahren era naturalmente bom em matemática, mas ninguém nunca o obrigava a aturar reuniões de orçamento, rezoneamento ou serviços de saúde. Ele sempre escapava ileso por causa daqueles malditos sete minutos.
Meu pai me deu um tapinha no ombro antes de sair do escritório às pressas. Levei mais tempo que o normal para me concentrar nos números. Não conseguia parar de pensar em sua expressão e estava certa de que tinha alguma coisa a ver comigo.



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